Até ontem, o juiz Haroldo Nader, de Campinas (SP), era praticamente
desconhecido do público. Na manhã de quinta-feira, porém, uma decisão
liminar (provisória) de Nader ganhou as manchetes dos principais sites
de notícias do país: ele determinou o fim da equipe de oito pessoas que
assessorava o ex-presidente Lula (PT), às custas da União.
Como o petista está preso em Curitiba (PR) desde 7 de abril, Nader
entendeu que não há mais necessidade para manter os assessores.
Em junho de 2012, o juiz apareceu pela primeira vez nos jornais quando
determinou a apreensão de dois jatinhos de luxo pertencentes a
empresários. Nader ainda teria seu nome publicado na imprensa várias
vezes depois da operação de 2012, mas na sessão de cartas: o magistrado
enviou diversas mensagens com críticas a Lula, à ex-presidente Dilma
Rousseff e ao PT entre 2015 e 2017, nas páginas do jornal O Estado de S.
Paulo.
"Lula não aguenta mais falar do sítio e do tríplex. E nós não aguentamos
mais esperar que ele fale", escreveu Nader na edição do dia 17 de
fevereiro de 2017 - o petista foi preso justamente depois de ser
condenado pela segunda instância da Justiça no processo que gira em
torno de um apartamento de três andares no balneário do Guarujá (SP).
"Não sabia que Lula era bancário…", escreveu Nader em 30 de janeiro de
2016, ao comentar uma reportagem que mostrava o envolvimento de uma
antiga cooperativa de bancários, a Bancoop, no caso do tríplex. O
ex-presidente Lula diz que nunca foi dono do tríplex e nega ter recebido
propina por meio do imóvel
Haroldo Nader faz parte de uma família de profissionais do direito. O
pai, Miguel José, foi juiz e professor. Os irmãos também seguiram a
carreira jurídica, e o próprio Haroldo é casado com uma advogada, Helena
Constanze. Nas redes sociais, Nader conta ter estudado em uma escola da
elite paulistana, o colégio Dante Alighieri. Depois de formado na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1991, trabalhou como
advogado. Tornou-se juiz federal ao ser aprovado (em 21º lugar) num
concurso público em 2002.
A ação contra Lula foi apresentada pelo advogado Rubens Nunes, um dos
coordenadores nacionais do MBL, no fim de abril deste ano. Mas o fato
dela ter sido distribuída para Nader é obra do acaso: a ação popular de
Rubens foi sorteada de forma eletrônica entre uma das oito varas cíveis
da região.
E por que a ação foi para Campinas e não para Curitiba, por exemplo? A
razão é que os processos deste tipo devem ser distribuídos na mesma
comarca onde vive o autor - Rubens reside numa cidade do interior de São
Paulo, perto de Campinas. O coordenador do MBL diz não conhecer Nader
pessoalmente.
A leitura das cartas de Nader deixa claro que ele tem uma opinião
desfavorável à Lula e do partido fundado por ele. "É óbvio que a
manifestação desta quinta-feira tenha ocorrido em dia útil, com
vale-transporte e alimentação. Seus manifestantes estão lá a serviço",
escreveu ele sobre uma manifestação de rua do PT, em 21 de agosto de
2015. "Entendido. É o governo 'podrão' Fifa", comentou ele sobre a
gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, em 31 de maio de 2015,
referindo-se ao mundial de futebol disputado em 2014.
No mesmo ano, Nader defendia o impeachment de Dilma usando uma metáfora
do mundo da aviação. "Após as concessões dos aeroportos, a concessão da
pilotagem. A pilota entrega o comando ao co-piloto e é trancada fora da
cabine, exatamente para que o avião não caia", disse ele em 11 de abril
de 2015.
Em outra carta, Nader aproveita para elogiar Bernardo Cerveró, filho do
ex-diretor da Petrobras e delator Nestor Cerveró. "A coragem, a astúcia e
a dignidade de um filho ultrajado, Bernardo Cerveró, alvejaram Lula",
escreveu ele em agosto de 2016. Bernardo foi o autor das gravações que
resultaram na prisão do ex-líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do
Amaral (MS).
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6RK1frZ7Wr3F7zppxjLnYbzd6pAIABH1sNiu0plvvYhrlkLRdhu8nCS9GyNxVX_Yqk4ORvLyxj4it1L02m8mZWxoKgEGu1y6IUrveWXYHEmEEPeKBThu4SOWfL4VYrnW0s47mVmXcy0ER/s1600/_101631199_3400d34e-137d-410d-94f0-8b89cd7b3638.jpg)
Mais tarde, em 11 de janeiro de 2016, Nader diz que Cerveró poderia
"salvar o nome da família" ao tornar-se delator. "Parece que Nestor
Cerveró aprendeu com seu filho Bernardo. Ainda que não possa escapar da
prisão, é possível salvar o nome da família e entregar provas contra os
principais malfeitores nos crimes de que é acusado (no petrolão). Falta
apenas contra o 'cappo di tutti capi' para uma redenção heroica",
escreveu. O conteúdo da delação de Cerveró veio a público meses depois,
em junho daquele ano.
A reportagem da BBC Brasil procurou Haroldo Nader diretamente e por meio
das assessorias de imprensa tanto do gabinete quanto da Justiça Federal
em São Paulo ao longo das tardes de quinta-feira (17) e de hoje, mas
não houve resposta. Na tarde de hoje, a reportagem conversou com uma
assessora de Nader em seu gabinete em Campinas. O juiz estava no local,
mas disse que não responderia e determinou à assessora que desligasse o
telefone.
O endereço de e-mail que aparece nas cartas ao Estadão está relacionado a
um perfil da rede social Google Plus, com o nome de Haroldo Nader. E,
entre os contatos desse perfil, está justamente a esposa de Nader, a
advogada Helena Costanzi. A imagem do rosto coincide com a exibida por
Nader em sua conta do Facebook e ao avatar do número de WhatsApp em um
dos telefones registrados sob seu CPF. O mesmo endereço de email aparece
ao lado do nome Haroldo Nader em uma lista no site do Senado: os
signatários de uma ideia legislativa a favor do voto impresso.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkckCrDdlAGTlho7LG6TlNt82zyzGz6vs6LLwDZfUysdCYdDXjaedVv9MSaDZs-8N6ef9G54wD_nYZwmGHTzBpnuv_KwE-EYzMvD_fbyhJQuEEKZxUYCgxbmmXk4147401EYtnE8kx_d3j/s1600/_101631199_3400d34e-137d-410d-94f0-8b89cd7b3638.jpg)
BBC Brasil