Joaquim dos Santos Rodrigues levou uma vida simples. Acordava cedo e saía da rua Conceição, onde morava, indo até a sucata que mantinha na rua Santa Luzia, no centro de Juazeiro do Norte. Na manhã do último sábado, Lunga não resistiu a complicações após cirurgia no esôfago. Morreu aos 87 anos.
O corpo foi sepultado na tarde de domingo, no cemitério do Socorro, em Juazeiro. O comerciante deixa a esposa, dona Carmelita, e onze filhos. Mas não só. Joaquim criou, mesmo sem querer, uma marca no imaginário popular brasileiro.
Com respostas “na lata” e jeito espontâneo, o cearense de Caririaçu virou mito pelas páginas da literatura de cordel. A fama de zangado espalhou-se por todo o País. Mesmo que Lunga negasse muitas das respostas grosseiras atribuídas a ele, o sucateiro, que também se dedicava ao repente, virou celebridade.
“Podemos dizer que temos necessidade de mitos. Seu Lunga se irradiou com rapidez e eficácia. Sua fórmula era simples: respostas bruscas e desconcertantes para perguntas óbvias, insistentes ou mal formuladas”, analisa Gilmar de Carvalho, escritor, jornalista e pesquisador da cultura popular cearense Para Gilmar, a “figura nada espalhafatosa, tímida até” de Lunga foi desdobrada em muitas histórias e causos.
Para a cordelista Rosário Lustosa, que conviveu muitos anos com Lunga, muita gente fez confusão entre a lenda e o homem. “A maioria das histórias é invencionice do povo. Ele era um homem calmo, educado. Mas tinha as respostas dele Lunga não gostava de pergunta besta, sem fundamento”, afirma.
A cordelista nunca escreveu sobre o amigo ilustre, mas chegou a cogitar desmistificar a fama. “Disse para ele que ia escrever sobre o verdadeiro Lunga. Na hora, ele parou, arregalou os olhos e disse: ‘Mas você conhece o verdadeiro Lunga, por acaso?’, conta Rosário, rindo-se.
Piadas e política
O homem-mito não gostava de piada nem de futebol. Tampouco de dar bom dia. Dona Lenier Assis, vizinha do comércio de Lunga, diz que, com o tempo, acostumou-se a não cumprimentá-lo assim. “Ele dizia que só podia confirmar se o dia seria bom quando o dia acabasse, no finalzinho da noite”, lembra dona Lenier, que o conhecia desde a infância. Certa vez, ela conta, perguntou porque Lunga era tão engraçado. Ele rebateu: “Eu não digo piada nenhuma, minha filha. Eu só respondo pergunta imbecil com respostas imbecis”.
Apesar do pouco estudo, Lunga foi um homem muito inteligente. “Juazeiro perdeu uma figura ilustre. Ele nos representou muito bem. Sabia muito da história de Juazeiro, do Ceará. Era um sábio”, lembra a vizinha. De acordo com ela, Lunga gostava de discutir política. O comerciante, inclusive, chegou a disputar cargo de vereador em Juazeiro, mas, com apenas 463 votos, nãos se elegeu.
Legados
“A maior herança (de Lunga) é um protagonismo do homem comum, cearense, sem muita ilustração, sem nada que justificasse a fama que conseguiu”, explica Gilmar, para quem Lunga não faturava a partir da fama. “Ele não queria saber de sensacionalismo. O que ele instaurava era a normalidade, suas respostas eram funcionalistas, tentavam corrigir o que havia de excessivo, de equivocado, de fora de sentido”, conclui o pesquisador.
Há quem garanta que Lunga tenha deixado sucessor. Camilo, conhecido como “Zé do Lunga”, também tem fama de zangado. Nordeste afora, entretanto, outros afilhados despontam. Na Paraíba, Seu Miro, também afamado, inspirou personagem encarnado e difundido pelo humorista Zé Lezim. Nos cordéis, há também a figura do Seu Boga, criado pelo cordelista Hamurabi batista, que é filho de Abraão Batista - responsável por colocar o Lunga na língua do povo.
SAIBA MAIS
Poesia de Seu Lunga sobre morte.
O comerciante foi sepultado no último domingo, 23, no Cemitério do Socorro, em Juazeiro do Norte. Em entrevista paras as Páginas Azuis do O POVO, em março de 2009, o repentista declamou sobre a morte:
O comerciante foi sepultado no último domingo, 23, no Cemitério do Socorro, em Juazeiro do Norte. Em entrevista paras as Páginas Azuis do O POVO, em março de 2009, o repentista declamou sobre a morte:
“Meu amigos, eis aqui o destino / Nós estamos aqui reunidos, assistindo a separação dessa criatura que vai deixando a vida material para a vida espiritual / Nós aqui com o coração cheio de dor, de lembrança e de recordação / Dos dias felizes que nós passamos aqui na terra, junto a esta criatura e hoje ele dá um Adeus deixando a recordação a seus irmãos, a seus filhos, a seus amigos, a seus parentes / Nós, aqui tristes, sentindo essa separação, mas lá está Jesus, de braços abertos, esperando a sua chegada com seus familiares / Pai, irmão, tio e mãe estão lá comemorando a sua chegada e nós, aqui, com o coração transportado de tristeza, de separação”.
O Povo
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