No Salgueiro, o “Samba, Moda e Sustentabilidade” dá visibilidade às costureiras da comunidade. Outra iniciativa que aposta na sustentabilidade é a empresa Retalhos Cariocas, fundada por duas sócias da Barreira do Vasco. No Batan e no Fumacê, duas jovens estudantes criaram a marca Charme Favela
15 DE JANEIRO DE 2014 ÀS 13:12
Por Soraya Batista, da Imprensa RJ
Há dez anos, Leonor Rodrigues, 43, desistiu do sonho de ser estilista por falta de oportunidades. Os desenhos e modelos criados por uma rica imaginação foram trancados em um lugar esquecido de sua casa. Vez ou outra, ela relembrava os velhos tempos e criava uma peça nova para consumo próprio ou para usar no desfile de sua escola de samba do coração, a Acadêmicos do Salgueiro.
Mas a história de Leonor começou a ganhar contornos diferentes nos últimos meses, assim que passou a colaborar com o projeto “Samba, Moda e Sustentabilidade”, iniciativa que pretende dar visibilidade às criações de costureiras daquela comunidade da Tijuca, na Zona Norte do Rio.
“Não sabia nada sobre modelagem, mas aqui aprendi que ela também é uma forma de criação”, admite.
“Tenho esperança de que, quando acabarmos esse curso, a gente consiga pôr em prática a ideia de lançar uma marca ou quem sabe até de montar uma cooperativa. Meu sonho é trabalhar com moda”.
O projeto é uma parceria da escola de samba local com a ONG franco-brasileira Moda Fusion e tem como objetivo transformar a criatividade das mulheres e da nova geração de moradores do Salgueiro em uma importante fonte de renda.
“Nós queremos criar economias alternativas para substituir aquela que foi retirada após a instalação das UPPs, que é a economia da droga”, explica a presidente do Moda Fusion, Andrea Fasanello.
“Nós trabalhamos com moda sustentável e trouxemos nossa metodologia para que as costureiras do Salgueiro criassem uma marca que corresse em paralelo ao trabalho que muitas delas realizam na escola de samba”, diz.
Todo o material utilizado no curso é doado pelo Salgueiro e provém de roupas e carros alegóricos usados no desfile do ano passado. O trabalho de criação tem a orientação de Ümit Esbulan, 27, estilista de origem turca, criado na Alemanha e formado no Departamento de Moda da Royal Academy of Fine Arts de Antuérpia, na Bélgica.
Mesmo sem falar uma palavra em português, o professor consegue se entender com as alunas e passar os conceitos fundamentais da moda.
“Acho muito interessante a energia que elas têm para aprender coisas novas. É um desafio, tive que começar desde o inicio, ensinando o que é moda, mas acho que no final dos seis meses de curso, elas vão estar prontas”, prevê.
Tayane Cristine de Carvalho, 15, é uma das mais animadas com o curso. Ela conta que ficou sabendo das aulas através da associação de moradores. Incentivada por sua tia, decidiu experimentar.
“Nunca tinha pensando em trabalhar com isso, mas achei a ideia muito interessante”, confessa.
“Aprendi a combinar cores e estilos e estou gostando. Quem sabe, depois que eu terminar esse curso, eu consigo algum emprego ligada a moda?”, sugere.
A retomada de sonhos possibilitada pelo projeto de moda no Salgueiro evidencia uma mudança ainda maior que está em curso em várias comunidades que receberam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos últimos anos.
Afinal, quem um dia poderia imaginar que comunidades antes dominadas pelo tráfico de drogas se tornariam palco de experiências tão originais no universo da moda?
A chegada da paz a essas regiões resgatou talentos e fez brotar novas promessas. Sem medo de represálias e com a tranquilidade dos novos tempos de paz, muitas iniciativas começaram a surgir, abrindo caminho para que novos artistas mostrassem ao mundo as suas criações.
Prova disso é o EcoModa, projeto da Secretaria de Meio Ambiente que já formou 424 alunos da Mangueira em pouco mais de um ano de atividades. Na edição atual, o curso reúne 150 alunos, que participam de aulas de modelagem, corte e costura, desenho, bordado e estamparia.
“O EcoModa faz parte de um trabalho de atuação em comunidades pacificadas com projetos que, ao mesmo tempo, deem perspectiva de emprego e renda aos moradores, aliado a preservação ambiental, como o tratamento dos resíduos sólidos”, explica Ingrid Gerolimich, superintendente de Território e Cidadania da secretaria.
Diversas parcerias são travadas para doações de materiais que serão utilizados nas produções do EcoModa. Recentemente, as grifes Victor Hugo e Animale doaram insumos para a confecção da próxima coleção, que será apresentada como trabalho de conclusão de curso da turma.
Um dos destaques do projeto é a ex-aluna Andrea Ferrancini. Depois que se formou no curso, ela foi convidada a ser monitora da oficina de corte e costura do EcoModa na própria comunidade. Hoje ela se diz realizada por constatar que seu trabalho contribui para uma melhor qualidade de vida dos moradores.
“O grande retorno que tenho é perceber que muitos jovens do sexo masculino venceram os preconceitos e hoje atuam como costureiros e produzem com qualidade profissional”, destaca.
O talento de costureiras e estilistas não fica restrito aos limites das comunidades. É o caso das sócias da Retalhos Cariocas, empresa formada na Barreira do Vasco que confecciona bolsas e acessórios reaproveitando materiais.
Maria de Fátima, 66, e sua filha Silvia Oliveira, 35, são moradoras e iniciaram o projeto três anos atrás, como forma de aumentar a renda familiar e de outras mulheres da comunidade, que receberam capacitação em corte e costura.
“Nós sempre corremos muito atrás para que tudo funcionasse bem. Mas o primeiro espaço que conseguimos ficava ao lado de uma boca de fumo. Isso começou a afugentar as clientes”, recorda a mãe.
O negócio mudou de local e, após a chegada da UPP à região, em abril do ano passado, elas tiveram mais tranqüilidade para trabalhar e receber a freguesia.
O talento da dupla conquistou os representantes da moda do Rio de janeiro. No ano passado, elas foram convidadas a fazer a decoração do Circuito da Moda Carioca, evento que reuniu mais de 50 empresas da área fashion.
“Conheço a Silvinha e a mãe há algum tempo e admiro muito o trabalho delas, principalmente nessa questão social, de capacitar as mulheres das comunidades”, conta Ana Paula do Lopes Gomes, diretora de projetos do Circuito Moda Carioca.
“Queríamos esse ano algo que envolvesse uma ação social e elas se encaixaram nesse perfil. O trabalho delas é muito importante, pois trazem pessoas para se capacitar dentro da indústria da moda”.
A moda e a pacificação também podem vencer preconceitos e unir lados opostos. Foi o que aconteceu com as estudantes Maisa Julia Ribeiro, 16, e Larissa Helena Luiz Brito, 17, moradoras do Batan e do Fumacê, respectivamente.
Antes da instalação da UPP nas comunidades, era impensável as duas serem amigas, muito menos lançar um projeto juntas. No entanto, hoje elas exibem com orgulho a marca criada pelas duas: Charme Favela.
“Eu nunca tinha entrado no Batan, tinha medo dos traficantes, mas aí minha mãe me convenceu a vir para participar do projeto. Resisti um pouco, mas hoje vivo mais aqui do que no Fumacê”, confessa Larissa.
O projeto foi criado pela agência de Redes para a Juventude, patrocinada pela Petrobras, que financiou a criação da grife.
Atualmente, a Charme Favela produz camisas que unem Batan e Fumacê. São diversas estampas diferentes, que contam a história das comunidades. Cada peça é vendida a R$ 25 reais em diversos pontos das duas localidades. A grife também tem uma página no facebook, onde também vende seus produtos.
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